quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Momento vigésimo quinto

O som do toque do interfone vem em ondas, retorna qual repuxo em mar de bandeira vermelha. Samuel abre um olho, abre outro. Ouve a campainha de casa; batidas secas na porta. Percebe seu nome sendo chamado ao longe, e já bem perto: SEU SAMUEL!!! SEU SAMUEL!!! ESTÁ TUDO BEM AÍ DENTRO?! ABRA, POR FAVOR... DIGA ALGUMA COISA... SEU SAMUEL!!! Olha pela janela basculante; é dia. Barulho de água. SEU SAMUEL!!! POR FAVOR, SEU SAMUEL!!! É UMA EMERGÊNCIA... Samuel olha para cima: o chuveiro em funcionamento; mandando água em direção ao seu corpo encolhido ao chão. Levanta-se abrupto, sai do boxe, escorrega, quase cai. O banheiro está inundado, a sala, o quarto, a cozinha, até na área de serviço há água. SEU SAMUEL, ABRA A PORTA, POR FAVOR!!! Volta-se para o chuveiro, quando pensa em desligar a torneira, a água cessa. Alguém teve a luz e a inteligência de fechar o registro geral do prédio. SEU SAMUEL!!! Vamos arrombar, deve estar morto o maluco!, ouve um voz feminina já perturbada pelos anos e o fumo. A vizinha de baixo. Ouve latidos agudos, ensandecidos; um arranhar de unhas na porta. A vizinha de baixo e seus cachorros chatos, pensa. Uivam e latem a noite inteira. SEU SAMUEL!!! Vamos meter o pé na porta... voz de homem agora. Tenta articular alguma coisa com a boca, mas não consegue dizer nada... Deixa comigo, outra voz de homem. Faz um esforço descomunal para falar ou mover-se do meio da sala, onde está, até a porta da rua. Não consegue sair do lugar. Tenta, tenta, tenta. Pensa, pensa, pensa. É UM... Está gelado. É DOIS... Quer chorar e não consegue. É TRÊS... Tem vontade de espirrar. E... O espirro não vem. AGORA!!! Ouve um estrondo. Atchim!!! SEU SAMUEL?! É O SENHOR?!?! Atchim!! volta a si. Sente um alívio: a porta ainda está no lugar. TUDO BEM AÍ?! Aqui é o Lori, ou melhor, o Lorival, o porteiro. O senhor pode abrir para nós?! Tem um vazamento no apartamento de baixo do seu. Temos que ver o que aconteceu. Temos de checar o seu apartamento. Está chovendo no apartamento de baixo... Seu Samuel, o senhor está me ouvindo?! Está me entendendo?! Estou falando um português bem claro?! O síndico já chamou o encanador... o, como se chama mesmo... o termo técnico, é... Hidráulico, sussurra a voz de mulher. É, é, isso mesmo, o hidráulico, pode abrir para nós?!...

Não, NÃO!!! Aqui ninguém entra, não, balbucia. Não, não pode, não dá... Mas seu Samuel, temos de
efetuar o conserto (Lorival olha para a moradora do quatrocentos e um, balança a cabeça afirmativo e sorri esperto, satisfeito com o fato de ter dito “efetuar o conserto”). NÃO, não dá não. Não vou abrir a porta... Então vamos ter de arrombar, Grita a velha, e os cachorros latem mais forte.

Nenhum comentário: