segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Momento oitavo

Nem cabe negar, tal o desenvolvimento tecnológico, que os aparatos derivados de tamanha genialidade, há pouco relatada, promoveram profunda multiplicação dos modos de olhar. A máquina se interpôs e fez o olho alcançar o todo, ampliou fragmentos, desejos.

Eu, o voyeur. Do francês voir, ver. Não estou a suspeitar de crimes, tal Jeff em sua Janela Indiscreta. Mas há mistério. Sou desta prática antiga, do indivíduo a conseguir obter prazer por manter olhos abertos. Sim, ver com prazer não é novidade: pergaminhos japoneses do século VII já faziam referência a um concurso de tamanhos; mulheres por detrás das cortinas. Gravuras chinesas, por sua vez, nos revelaram também. Vocês e eu também adeptos, cada qual, voyeur.


Ainda não retornou. Presumo que está envolvida, apesar da ausência de atos suspeitos em casa. Comete-os nas saídas, aposto. Registro aqui a expressão mudada dos últimos dias; transtornada até. Sigo a esperar, aguçado e repetido olhar. Tudo para conhecer e desvendar. Isso apetece o apelo que me move, comove.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Momento sétimo

Não é, portanto, exagerado dizer que a revolução intelectual-científica e filosófica dos últimos trezentos anos tem como um de seus fundamentos a invenção da astronomia observacional com instrumentos ópticos por Galileu e das descobertas por ele inauguradas.

Olha para o
teto, como a orar, passa a mão no punhado de envelopes espalhados pelo sofá da sala, meto-os no bolso interno do casaco, ajeita a gola para cima, abre a porta e agride a rua.


Momento sexto

Questionamento que por sua vez constitui o terreno intelectual de toda a filosofia moderna, inaugurada por Descartes, admirador e contemporâneo de Galileu com seus princípios Ergo logo sum (Penso, logo existo) e Omnia dubitantur est (tudo pode ser posto em dúvida).

Vestida, ao que parece, pronta para sair de casa, ela pára, abaixa-se para pegar um estranho livro de capa verde-musgo de cima da bela mesa de centro em aço frio e escovado e madeira escura de demolição, cheia de marcas do tempo e vincos de vidas passadas. Ergue-se, abre o livro aleatoriamente, lê uma página ou duas. Fecha-o e recoloca-o com cuidado onde estava.

Momento quinto

Veste-se com precisão e vagar. Calça jeans, camiseta básica branca, camisa de flanela xadrez, em tons de vermelhos e azuis, botas e um casaco em couro castanho. Lá fora faz um frio seco; é inverno. Um risco de sol ameaça um desponte; é manhã de sábado.

É, sim, muito além; de um significado mais profundo e duradouro. Ao estabelecer um instrumento como mediador entre homem e mundo, abriu caminho para o questionamento da relação sujeito-objeto da metafísica tradicional.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Momento quarto

Essa mesma descoberta observacional dos satélites de Júpiter criou o terreno científico para o chamado princípio copernicano que, mais do que dizer que a Terra gira ao redor do Sol, afirma que ela não é um lugar privilegiado do Universo, pois sequer é o astro mais pujante do próprio sistema do qual é um membro.

Limpa as mãos, as belas mãos, em uma toalha de papel; afasta-se do balcão, suave, límpida, em cristal. Quase a levitar. Aproxima-se do espelho, tira a transparência, percebe-se mulher. Sorri. Desajeitada e bela, sorri. Ela deve fazer parte de um sonho não merecido; mas entregue de bandeja, como que por descuido, por deuses distraídos. Sim, é a visão de quem jamais precisará de outro vislumbre na vida para continuar a ser feliz. Por todos os tempos.

sábado, 11 de outubro de 2008

Momento terceiro

Foi um trabalho intrinsecamente inaugural, o de Galileu. Em termos imediatos, a identificação dos satélites de Júpiter e das fases de Vênus tornou mais aceitável a idéia de que o Sol poderia ser o centro do sistema ao qual a Terra pertencia, abrindo o caminho para a constituição da física inercial, cuja forma acabada seria dada por Newton, em detrimento da física aristotélica.

Consegue ser suculenta até ao morder torradas com geleia de amoras. E o café preto puro, do outro lado da rua, a esfriar dentro da xícara.

Momento segundo

As observações de Galileu fizeram sensação em sua época. Galileu observou pela primeira vez os satélites mais brilhantes de Júpiter (hoje conhecidos como galileanos), identificou estruturas que posteriormente foram compreendidas como os anéis de Saturno, pode observar em detalhe as crateras da Lua, as fases de Vênus e que o céu possuía muito mais estrelas do que aquelas visíveis a olho nu. A repercussão do trabalho observacional de Galileu é, em termos históricos, incalculável.

Esta manhã ela parece mais bela. Um tanto lânguida a esvoaçar pela casa. Os cabelos soltos e prometedores de um dia carinhoso. Um dia delícia. Veste um baby-doll alvo e com a transparência ideal para passar dos limites do mistério. Ela mexe nos cabelos, passa a mão nos lábios de portentosas carnes de respeito. Mexe nos cabelos outra vez. Prepara o café da manhã ao balcão de aço escovado.


Momento primeiro

A Luneta foi inventada em 1608 por um artesão fabricante de óculos, cidadão holandês, mas nascido na Alemanha, chamado Hans Lipperhey. Não havia transcorrido ainda um ano quando Galileu Galilei, na Itália, teve notícia da invenção e construiu ele mesmo a sua luneta. Ao apontá-la para a Lua, Júpiter e Vênus, Galileu constatou que as concepções cosmológicas tidas como verdadeiras até aquela época deveriam ser revistas... Ele criou a ciência como a entendemos atualmente.

E eu a observa-la. Tentando ver e registrar tudo o que a minha bela e instigante vizinha faz; lance após lance; dia após dia.

Até chegar o momento de eu me encontrar prestes a decifrar um mistério.