domingo, 1 de fevereiro de 2009

Momento trigésimo primeiro

Entram. Quatro homens, uma mulher, dois cachorros. No meio da sala, ele, estático. Um dos cachorros, o branco, peludo, feito uma ovelha bonsai, já sobre a poltrona vermelha, com os dentes, rasga-lhe o braço estofado. O outro, malhado, de olhos esbugalhados e cara de velho demente, de perna erguida urina ao pé do abajur. Marcar território, conquistar. Homens e cães. Homens cães. A vizinha a falar sem parar. O chaveiro a exigir o seu dinheiro. Tem pressa, alega. Muitas casas para entrar. Deflorar. Homens. Homens sem mães. O zelador a tentar a todos acalmar. Lorival a rir; especular. Atento; arguto o olhar. Filhos. Todos. Filhos de mães. Cães. Filhos de mães; outras. Filhos de éguas; velhas; potras.

O porteiro vai até a janela. Curioso. Grita loquaz: Mas o que temos aqui?!, aproxima o rosto. Vai metendo o olho. Samuel arranca-se de si mesmo, solta um uivo de savana, atira-se para frente; a mão espalmada no ar; a luneta voando de lado; Samuel por cima do cão; a luneta caída ao chão.

A vizinha agora a gritar; argumentos em prol do seu lar; misturados ao uivo do cão, que, então, a Samuel tenta abocanhar. O chaveiro ainda na porta, dizendo que vai ter de matar se ninguém resolver lhe pagar. O zelador de mãos na cabeça, de repente fita um anel de prata sob a estante de madeira escura. Lorival, ao meter a cabeça para fora da janela, de dentro do bolso da sua calça amarela, deixa cair uma peça importante; Samuel vê, percebe o que é, e pega o envelope em um rápido instante. Treme por dentro, tenta se controlar. O suor, de todos os poros, passa a se derramar. Urina, urina, urinar. Consegue... consegue na bexiga a vergonha estancar. Levanta-se rápido e, antes da taquicardia chegar, lança-se porta a fora, a boca seca a secar. Dá dois passos no corredor, dribla a sensação de horror, desce as escadas, passa pela porta aberta do prédio, esbarra em alguém a entrar no portão, pisa na calçada molhada, aperta o envelope na mão, olha em qualquer direção e põe-se a correr, a correr, meio fraco, meio voraz, a correr e a correr. Sem sequer olhar para trás.

Nenhum comentário: