Dois dias se passaram sem que ela saísse de casa. A chuva fora intermitente. O frio avassalador. As almas na rua perambularam, poucas. As cidades foram consumidas por abutres insaciáveis. As vítimas do medo se multiplicaram. Os bárbaros tornaram-se ainda mais bárbaros; os doces, menos doces. Ácidos, bases, sais. Íntimos de menos; pólvora demais. Uma culinária rápida onde cada prato tornou-se envelope recheado. Encontros, desencontros, tudo muito inusitado. Os sinais de trânsito viram-se em um só; de ida, em pó. Doída, um nó. Cada referência, cada transparência, aderência, carência, cada cara ausência, foi medida para um pequeno caos. Parada para dentro; fora; um (des)pensamento. De Porto Alegre ao Laos; tudo infectou-se de pequenas causas; causas rasas; mínimas brasas; na chuva. Do Timor Leste a Budapeste; nada ficou igual. Não como era antes. A vida e seus momentos mutantes. Alguns encontraram aqui, acolá. Outros mais ali, para lá. Outros ainda viram e deixaram passar. A vida em seus passos; passantes. Tudo que se planta, adubando dá; a não ser quando adubo, só, há. Mas as sementes jamais são em vão. E vão. Ainda que não frutifiquem, ao menos restos darão. O que se pode lembrar; o que se deve esquecer, juntos, parte do todo farão. E, passados anos, décadas, rugas, ciclos; ou dias – dois – , horas, minutos, piscares de pálpebras, segundos, raros instantes – retornarão. Mas nada, não, nada como estava então; nada como era antes.